Você precisa tomar muito cuidado ao utilizar o Boletim Focus como parâmetro para tomar decisões sobre os seus investimentos. Fiz uma comparação entre as previsões dos últimos anos publicadas no boletim e os fatos consumados. Neste artigo, você verá que existe uma grande discrepância entre o que é previsto e o que realmente acontece.

Todas as semanas, nas segundas-feiras, o Banco Central divulga um novo Boletim Focus (neste endereço aqui). É comum a imprensa destacar as previsões de inflação e taxa de juros nos noticiários, muitas vezes de uma forma sensacionalista, sem deixar muito claro para o público leigo que os números do Boletim são apenas palpites e não premunições.

O boletim é preparado por um departamento do Banco Central chamado GERIN (Departamento de Relacionamento com Investidores e Estudos Especiais). Ele se baseia em uma pesquisa feita com economistas das 120 maiores empresas e instituições financeiras do país (bancos, corretoras, consultorias, distribuidoras, etc.) sobre quais são suas projeções para a inflação, taxa de juros, câmbio, PIB e outros números da economia, para o ano atual e para os próximos anos.

Os economistas que participam dessa pesquisa, que resulta no Boletim Focus, certamente são os mais bem pagos, mais capacitados, com as melhores equipes e mais as sofisticadas ferramentas de estatísticas do mercado.

Cabe a nós, pobres mortais, desprovidos de dados privilegiados, conhecimentos estatísticos e de ferramentas avançadas, olhar seus palpites sobre o futuro imaginando que eles possuem algum valor para nos ajudar nas nossas decisões. O problema é que ao olhar as previsões que esses grandes economistas fizeram no passado,  comparando com os números que foram registrados posteriormente, podemos desconfiar que suas opiniões são apenas chutes de utilidade duvidosa.

Tenho a impressão que o número de variáveis que influenciam cada número da economia é tão grande que se torna praticamente impossível fazer alguma previsão útil, especialmente quando tentamos prever o que irá acontecer em prazos maiores que um punhado de meses. Veremos neste artigo que quanto mais distante é a previsão, maiores são os erros. Da mesma forma que é mais fácil um meteorologista acertar qual será a previsão do tempo para amanhã do que para o ano que vem, é mais fácil um economista acertar a inflação do próximo mês do que a inflação dos próximos anos.

Tive o trabalho de anotar os chutes para a inflação (IPCA) e taxa de juros (Taxa Selic) futuras dos economistas TOP 5 que participaram da pesquisa do Boletim Focus nos últimos anos. Para estimular os economistas a capricharem nos cálculos macroeconômicos, o Banco Central criou um ranking das instituições que mais acertaram suas previsões. Acredito que deve ser um motivo de alegria para os economistas que aparecem na lista. Os melhores do ano são publicados aqui.

Montei a tabela abaixo para comparar os chutes no início de cada ano e o resultado real que foi registrado no IPCA medido pelo IBGE no final de cada ano:

Na coluna “Resultado Real” temos o IPCA que foi registrado entre os anos de 2005 e 2016. Na coluna “Chute do ano” temos a aposta dos economistas Top 5 no primeiro Boletim Focus de cada ano para a inflação que seria registrada até o final do mesmo ano. Os dados foram coletados neste sistema de pesquisa aqui onde selecionei as opções: “indicadores do Top 5”, IPCA, curto prazo, mediana e anual. Já o histórico do IPCA eu acessei nesta página aqui. No campo “Diferença” eu calculei a diferença entre o chute e o que o IPCA que foi registrado e depois dividi a diferença pelo chute. Exemplo: em 2003 os economistas chutaram uma inflação de 13,49%. A inflação registrada foi de 9,30%. A diferença entre o chute e o real foi 31,06% menor. Já no ano seguinte, em 2004, o erro foi para mais. A inflação prevista era de 6% e a registrada foi de 7,60%, uma diferença de 26,67% para mais. Em 14 anos, as Top 5 instituições que mais acertaram suas projeções só conseguiram manter um percentual de erro de 10% para mais ou para menos por 4 anos. Nos outros 10 anos, a diferença entre o chute e o que foi registrado sempre foi elevada.

Aqui temos um gráfico da tabela anterior. A linha azul é o resultado registrado do IPCA em cada ano e a linha laranja representa os chutes dos Top 5 economistas do Boletim Focus. Podemos concluir que nos últimos 14 anos os economistas que mais acertaram sempre estiveram muito otimistas com relação a inflação. Eles tendem a esperar uma inflação menor do que aquela que será registrada. Somente em 5 anos diferentes eles chutaram que a inflação seria maior do que a que foi registrada. Nas vezes que eles erraram apostando em uma inflação menor do que a registrada, a diferença entre o chute e a inflação real foi 24% em média. Nas vezes que eles erraram apostando em uma inflação maior do que a real a diferença foi de 17,65% em média. Isso significa que quando eles chutam uma inflação menor, o erro tende a ser maior.

Quanto mais distante for o chute, maior o erro:

Os economistas que participam da pesquisa chutam a inflação que será registrada no ano atual e nos três anos seguintes. Quanto mais distante é o chute, mais os economistas erram.

Na tabela acima, logo na primeira linha, podemos ver o chute que foi feito em 2003 para a inflação de 2006. Os economistas acreditavam que a inflação seria de 6,5%, mas a inflação registrada em 2006 foi de 3,14%. Foi o único ano, dessa série de 10 anos, que eles chutaram uma inflação maior do que a inflação registrada no ano. Todos os demais chutes foram de inflações bem menores do que as que foram registradas. Isso demonstra, mais uma vez, uma forte tendência dos Top 5 economistas de projetar inflações otimistas, ou seja, que são bem menores do que as que realmente ocorrem.

O gráfico acima deixa bem evidente que a tendência dos economistas é projetar uma inflação bem menor do que aquela que será registrada. Em média, a inflação registrada nessa última tabela foi 42% maior do que a inflação chutada pelos economistas.

Chutando o Tesouro Selic

Outra especialidade dos economistas é chutar o Tesouro Selic. A cada 45 dias o Banco Central se reúne com seus especialistas para definir se a taxa Selic irá subir ou cair. Isso é feito através das reuniões do COPOM. Antes das reuniões os economistas aparecem nos jornais e revistas fazendo suas apostas. Depois da reunião e da nova taxa Selic divulgada aqui, eles refazem todos os seus cálculos para que possam estabelecer novos chutes sobre o futuro.

Aqui temos os chutes da taxa Selic feitos pelos Top 5 economistas. Na primeira linha, temos a informação de que o chute desses economistas no primeiro Boletim Focus de 2003 era de que o ano terminaria com a taxa Selic de 19,55%. O chute passou longe. A Selic ficou 15% menor ao registrar 16,50% como podemos ver aqui. Em 14 anos os economistas erraram 8 vezes chutando uma Selic maior que a realidade e erraram 6 vezes chutando uma Selic menor. Quando eles chutaram uma Selic maior a diferença entre o chute e o que foi registrado foi de 12%. Quando eles chutaram uma taxa Selic menor o erro foi 22% menor que a Selic registrada.

Podemos dizer que os economistas chutam mais vezes apostando em uma taxa Selic maior que a realidade, mas é quando chutam uma Selic menor que a diferença entre o chute e a realidade tende a ser maior.

Olhando esse entrelaçado do gráfico acima podemos constatar que, em diversos momentos, quando os economistas apostaram em uma taxa Selic alta, ela acabou sendo baixa. Quando eles apostaram em uma Selic baixa, ela acabou terminando o ano mais alta. Eles chutam uma coisa e o que ocorre de fato é o contrário. Esse fenômeno fica mais gritante quando olhamos os chutes para 3 anos na frente.

Aqui temos na primeira linha um chute dado em 2003 de que a taxa Selic em 2006 seria de 11,50%. A taxa registrada de fato foi de 13,25% e a diferença foi 15% maior. No decorrer de 10 anos os economistas apostaram 8 vezes que a taxa Selic seria menor do que a taxa que efetivamente foi registrada 3 anos depois. Somente em 3 ocasiões eles chutaram taxas que foram maiores do que a registrada.

O que os bancos gostam

Fazendo essas observações podemos concluir que os economistas que mais acertam no Boletim Focus estão sempre  chutando inflações menores que aquelas que efetivamente são registradas no futuro. Eles também estão sempre chutando taxas Selic menores do que as que o Banco Central irá definir no futuro.

Parece existir um “esforço” dos bancos para transmitirem a ideia de que esperam inflação e juros menores no futuro.

O senso comum diz que os bancos adoram quando o governo aumenta os juros básicos da economia (Taxa Selic). Não é assim que a coisa funciona.

A taxa Selic é entendida pelos bancos como o custo do dinheiro, ou seja, o custo que eles terão para captar recursos dos investidores. São esses recursos, captados através dos mais diversos tipos de investimentos (Poupança, CDB, LCI, LCA, LC, etc) que os bancos emprestam para a população e as empresas através do cheque especial, crédito consignado, financiamentos de carro, casa e outros tipos de empréstimo.

A taxa Selic também é vista como custo de oportunidade. Para emprestar dinheiro para um cidadão comum o banco verifica o risco de inadimplência e avalia que se emprestar o dinheiro que captou para o governo (comprando títulos públicos) terá um risco praticamente zero e uma taxa de juros garantida. Os juros pagos pela população, ao buscarem crédito nos bancos, precisa compensar esse custo de oportunidade e o risco.

Quando o governo aumenta a taxa Selic ou quando o governo faz a inflação subir (a inflação é um tipo de imposto) isso prejudica os bancos de duas formas. Quando a taxa Selic aumenta os  juros pagos pelo governo através dos seus títulos públicos ficam maiores. Os investidores sempre preferem investir em títulos públicos (devido ao baixo risco) e só aceitam investir em títulos privados (CDB, LCI, LCA, etc) se os juros oferecidos pelos bancos forem maiores que os juros pagos pelos títulos públicos. Isso ocorre pelo fato do risco de calote do governo ser considerado zero diante do risco de calote de um banco. Isso significa dizer que a alta da taxa Selic obriga os bancos a aumentar a remuneração dos seus investimentos, ou seja, o custo de captação de dinheiro através dos investidores fica maior.

Curiosidade: foto da tela que os economistas das mais de 120 instituições visualizam quando entram no sistema para preencher seus chutes sobre o futuro de 19 indicadores diferentes.

Se o custo do dinheiro captado pelo banco fica maior isso significa que o preço do dinheiro que será oferecido através das mais variadas formas de empréstimo para a população também fica maior. A população percebe quando os juros elevados encarecem os empréstimos e os financiamentos e isso acaba reduzido a demanda por crédito.

Juros elevados também geram processos recessivos na economia que não são bons para os bancos. As pessoas compram menos, as empresas produzem e vendem menos, ocorrem demissões e tudo isso prejudica os bancos. O interesse pelo crédito fica menor e a inadimplência aumenta diante da recessão gerada por uma taxa Selic elevada.

O governo usa a taxa Selic, e a recessão que ela é capaz de produzir quando está elevada, como um freio para a inflação, sendo que a inflação elevada é uma problema produzido pelo próprio governo quando gasta mais dinheiro do que arrecada ou quando tenta intervir na economia gerando desequilíbrios.

Para os bancos, a situação ideal seria uma inflação baixa e, por consequência, uma taxa Selic baixa. A demanda por crédito aumenta quando os juros e a inflação estão baixos. Os bancos conseguem captar dinheiro barato oferecendo investimentos que pagam juros baixos. Os investidores, sem ter o governo oferecendo títulos públicos com taxas atrativas, passam a aceitar os investimentos de maior risco dos bancos.

Os bancos possuem uma brecha maior para elevar seus ganhos, já que a redução do custo de captação (taxa Selic) não significa que eles irão baixar os juros do cheque especial, consignado, empréstimos e financiamentos na mesma proporção. Como temos meia dúzia de grandes bancos que controlam o mercado, os juros para os empréstimos continuam elevados e os lucros dos bancos aumentam.

Segundo o executivo de um grande banco, o impacto da queda da Selic para a margem financeira é neutro ou até positivo em um primeiro momento, uma vez que a redução do custo de captação de recursos dos bancos deve acontecer mais rapidamente que o reajuste das taxas da carteira de crédito, que são em grande parte prefixadas (fonte) – Valor Econômico

Recentemente o presidente da federação dos bancos disse “Os bancos gostam de emprestar e de receber o valor emprestado de volta” (fonte). Na prática é isso mesmo que ocorre. Os bancos gostam mais ainda quando conseguem captar dinheiro oferecendo investimentos que pagam juros baixos e oferecem esse mesmo dinheiro emprestado cobrando taxas absurdamente elevadas como ocorre com o cheque especial.

Curiosidade: tela visualizada pelos economistas ao chutarem a inflação mensal e anual futura que será medida pelo IPCA.

Conclusão:

Vimos que os economistas que trabalham nas instituições financeiras tendem a projetar inflação e Selic menores. Isso pode ser um sinal de que desejam transmitir uma expectativa que possa influenciar o Banco Central a reduzir a taxa Selic e, por consequência, reduzir seus custos de captação e de inadimplência.

Sabemos que o Boletim Focus é utilizado pelo Banco Central como uma ferramenta para decisões de Política Monetária. Os dados coletados nas pesquisas são utilizados nas reuniões do COPOM e são usados como insumo para os modelos de projeção da inflação (fonte).

É uma pena que o Banco Central só pergunte as expectativas de inflação e taxa Selic para os economistas das instituições financeiras. Tenho certeza que você também saberia dar os mesmos chutes imprecisos que eles dão. Pelo menos os pequenos investidores, devedores, donas de casa, empreendedores, trabalhadores e outros grupos, além dos economistas, poderiam compartilhar com o Banco Central suas próprias expectativas.

Diante de tudo isso que foi dito e mostrado aqui, eu recomendo que você use as suas próprias expectativas sobre o futuro para tomar suas decisões de investimento. Se é para chutar, chute você mesmo. Estude e prepare-se para assumir o controle da sua vida financeira dependendo o mínimo possível das opiniões de terceiros.

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