A profecia autorrealizável é um problema ou uma característica que afeta os seus investimentos e como pequeno investidor você deveria entender como isso funciona.

Quando olhamos para os resultados financeiros e o preço da ação de uma empresa onde queremos investir, estamos fazendo uma espécie de diagnóstico. Quando usamos esse diagnóstico para estimar como o preço da ação poderá evoluir no futuro, estamos fazendo um prognóstico.

Esse prognóstico nos fala sobre o que podemos esperar (expectativas), qual futuro mais provável teremos ao investir nas ações das empresas (probabilidades).

É com base nesse prognóstico (que pode ser consciente ou inconsciente) que tomamos decisões de compra, venda ou manutenção de nossas ações no presente.

Todas as decisões que tomamos no presente, esperando um determinado resultado no futuro, tem como base um prognóstico. O problema é que a maioria dos prognósticos que envolvem o comportamento humano cria um problema conhecido como “profecia autorrealizável“.

Isso não afeta somente as questões envolvendo os investimentos. Também afeta todas as variáveis da economia e outras questões da vida sem que as pessoas tenham uma clara percepção de sua importância.

Um leitor do Clube dos Poupadores deixou o seguinte comentário:

Se todas as outras pessoas que também analisarem o mesmo gráfico (de preços de uma ação) seguirem a mesma tendência para suas operações, essa tendência se fortalecerá ainda mais e, por fim, acabará se concretizando. Estou correto em dizer que é uma situação auto realizável (ela só se concretiza pelo fato de as pessoas acreditarem que ela vai acontecer)? Por outro lado, se eu não sigo a tendência, enquanto os outros investidores seguem, acabo perdendo dinheiro. Meu raciocínio está correto?

Uma profecia autorrealizável nada mais é do que um prognóstico que provoca a sua própria realização.

Em outras palavras, quando as pessoas esperam ou acreditam que algo acontecerá, automaticamente começam a se comportar como se as expectativas sobre o futuro fossem certezas. Uma simples expectativa que envolve probabilidades passa a ser encarada como uma profecia que irá se cumprir.

Com isso, o comportamento das pessoas diante dos investimentos, seja por medo ou ganância, acaba transformando o prognóstico em realidade e assim temos a profecia se tornando real pelo fato de todos terem acreditado que ela se realizaria.

O que os grandes sabem

Esse mecanismo não só interfere no preço das ações, como também interfere na inflação, taxa de juros, câmbio, PIB etc.

No caso da economia, o Banco Central, ministério da Economia e diversas entidades que representam a indústria e o comércio realizam pesquisas constantes para identificar quais são os prognósticos das pessoas com relação ao futuro, pois essas entidades já compreenderam que as expectativas sobre o futuro podem interferir ou até construir o futuro.

Essa questão das expectativas é tão séria que todas as semanas o Banco Central realiza uma pesquisa entre mais de 100 instituições financeiras perguntando quais são as expectativas delas sobre diversos números da economia. O resultado é divulgado publicamente aqui e seus números costumam aparecer em destaque no noticiário sobre economia.

O Banco Central de um país funciona como um “gerenciador de expectativas” e suas decisões são mais focadas em manter ou mudar as expectativas dos investidores, por entender que são as expectativas no presente que criam a realidade futura.

O termo “ancorar as expectativas” é muito utilizado pelos bancos centrais. A capacidade de o Banco Central ancorar as expectativas é visto como um termômetro importante sobre a credibilidade da política econômica. No mundo do dinheiro, da economia e dos investimentos a questão da credibilidade (atributo, qualidade, característica de quem ou do que é crível; confiabilidade) é a base de tudo. Os números, a matemática, as teorias, são menos importantes do que aquilo que as pessoas creem.

Até mesmo o PIB, que é um indicador que tem o objetivo de mensurar a atividade econômica, sofre a influência das expectativas das pessoas.

Se os empresários esperam crescimento na atividade econômica, eles investem mais nos seus negócios, buscam oportunidades, tiram projetos da gaveta e isso produz o crescimento que eles acreditam estar por vir.

Se os consumidores estão otimistas sobre o futuro, eles compram mais e fazem dívidas para comprar ainda mais. Expectativas econômicas sobre o futuro produzem comportamentos no presente que acabam criando o futuro que era esperado.

Já o pessimismo generalizado ou expectativas negativas sobre o futuro produz o efeito contrário.

Criar expectativas negativas sobre instituições financeiras é tão perigoso que existe uma lei (No 7.492) que determina pena de reclusão, de dois a seis anos para quem divulgar informação que possa prejudicar uma instituição financeira. Informações falsas ou verdadeiras que produzam expectativas negativas sobre uma instituição são suficientes para quebrar essa instituição.

Diversas entidades realizam pesquisas sobre a confiança e expectativas de empresários e consumidores por acreditarem que isso ajuda a produzir o futuro.

No gráfico acima temos a confiança dos consumidores (linha azul) e empresários (linha pontilhada preta) nos últimos 10 anos, com base nas pesquisas feitas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) chamadas “Índice Nacional de Expectativa do Consumidor” e “Índice de Confiança do Empresário Industrial“. Também existe a pesquisa que define o “Índice de Confiança do Comércio”, realizada pela FGV.

As pessoas e as empresas se sentem confiantes quando olham o passado, o presente e fazem prognósticos positivos sobre o futuro. Elas começam a se comportar como se esses prognósticos fossem uma certeza. Elas tomam decisões importantes no presente sobre o futuro como se ele realmente fosse acontecer. Inevitavelmente isso ajuda no processo de autorrealização.

O que as pessoas sentem

O preço de uma ação é uma consequência das decisões dos investidores que as negociam na bolsa. Essas decisões são baseadas no que os investidores sentem quando entram em contato com um balanço trimestral, relatórios, recomendações, análises, notícias ou gráfico que mostra a movimentação dos preços das ações.

O gráfico acima mostra o comportamento do Índice de Confiança do Empresário Industrial (linha azul) e o índice Bovespa (linha preta pontilhada) que mede o desempenho do preço das ações das empresas mais negociadas na bolsa.

Você consegue perceber que existe uma relação no movimento entre os dois índices? Podemos ver no gráfico acima que o último “grande fundo” no índice de confiança e no índice que mede o desempenho da bolsa foi em 2016. Este foi o ano do último impeachment.

Não podemos dizer que imediatamente depois do impeachment as empresas começaram a vender mais, lucrar mais e gerar resultados financeiros positivos para justificar a valorização de suas ações.

Os investidores não tinham informações concretas, balanços, números, dados contábeis em 2016 que justificasse o início do ciclo de alta nos preços das ações na bolsa.

Devemos lembrar que os resultados das empresas são divulgados somente 4 vezes por ano, mas o comportamento das pessoas diante dos investimentos em ações ocorre de forma muito antecipada, como se o futuro fosse uma certeza e isso justificasse decisões imediatas.

A confiança das pessoas e dos empresários interfere na demanda por produtos e serviços, assim como interfere na demanda por ações. As empresas vendem mais, os resultados financeiros melhoram e as ações das empresas se tornam cada vez mais valiosas mesmo antes do crescimento e da divulgação dos resultados.

Observe no gráfico acima que em 2016, quando as expectativas e os preços das ações começaram a subir (linha preta pontilhada que representa o índice Bovespa), o Brasil ainda estava vivendo a crise econômica mais grave dos últimos tempos e os juros (taxa Selic que aparece na linha azul) estava acima de 14% enquanto a inflação estava ultrapassando a marca dos 10% ao ano.

No meio da grave crise a mudança de expectativa já foi suficiente para iniciar um grande movimento de alta na bolsa, antes mesmo dos balanços apresentarem os primeiros números positivos ou antes mesmo da economia voltar a crescer.

Ainda vivemos uma crise econômica grave. No gráfico acima você pode observar que o PIB deixou de ser negativo, mas continua muito baixo (linha azul com valores no lado esquerdo). Veja no gráfico acima que o PIB perdeu força desde 2018 e mesmo assim a bolsa registrou forte alta em 2018 e 2019 com base em expectativas positivas sobre o sucesso das reformas.

Podemos dizer que PIB fraco produz resultados fracos nos balanços de muitas empresas, mas isso parece não importar pelo fato das expectativas sobre o futuro serem mais importantes do que os resultados numéricos que temos no presente.

Podemos dizer que o preço das ações estão relacionados com o que se espera dessas ações no futuro e não com os resultados que temos no presente, ou seja, elas precificam um prognóstico sobre o futuro.

A confiança sobre o futuro é mais importante para a valorização das ações do que os dados que temos com relação ao atual crescimento da economia ou até com relação aos resultados financeiros das empresas.

O que nos faz confiantes é acreditar na mudança ou na manutenção de uma tendência. A bolsa está cheia de empresas com resultados ruins, mas que já deixaram de piorar (mudança de tendência) e isso já foi motivo para grande valorização de suas ações.

Podemos dizer que é falho imaginar que os números da economia, os resultados das empresas e o preço de suas ações dependem somente de questões matemáticas, lógicas e racionais existentes em fatos consumados. O grande peso por trás dos movimentos de taxas, índices e preços tem relação com o comportamento das pessoas que é resultado de expectativas sobre o futuro.

Controle remoto

Você já parou para pensar por qual motivo grandes líderes mundiais estão utilizando o Twitter como “arma” contra seus adversários comerciais? Antigamente era necessário testar um míssil nuclear para espalhar o medo na economia global. Atualmente esses líderes escrevem uma mensagem nas redes sociais e o impacto é semelhante.

Recentemente um dos maiores bancos do mundo criou um índice que mede o impacto dos tweets do presidente dos EUA nos juros e preço dos títulos do tesouro americano (fonte). Suas mensagens também produzem impacto no preço do dólar em outros países e nas bolsas de valores de todo mundo.

Controle o que as pessoas sentem e você controla as pessoas. Nunca foi tão fácil e rápido modificar as expectativas de milhões ou bilhões de pessoas. Seria ingenuidade imaginar que esses líderes estão influenciando as pessoas nas redes sociais sem consciência do que estão fazendo.

O comportamento de uma pessoa não tem somente base racional e lógica. Existe um enorme peso emocional nas decisões de empresários, consumidores,  investidores, políticos e todas as instituições que esses representam ou controlam. As pessoas que estão por trás do sistema, sabem disso e usam isso a favor delas.

O pequeno precisa entender o mecanismo

Como pequeno investidor é muito importante que você perceba que esse mecanismo existe e funciona 24h por dia.

O preço de uma ação é a consequência das expectativas de milhares de investidores que estão recebendo informações de todas as partes, tomando decisões e produzindo mudanças nos preços das ações, fundos imobiliários e todo os ativos de renda variável.

Nunca se viu tantos gestores de fundos, grandes investidores e empresários gastando seu precioso tempo nas redes sociais com o objetivo de alterar as expectativas das pessoas.

Preços não são uma consequência fórmulas matemáticas ou de resultados contábeis, mas são consequências de como as pessoas se sentem diante dos resultados. Medo, esperança e ganância interferem nas decisões e muitas vezes produzem os resultados.

Assim que os resultados das empresas são divulgados trimestralmente, os investidores observam e analisam esses números e isso altera suas expectativas sobre o futuro e altera os preços. Alguns pequenos investidores nem chegam a olhar os números diretamente. Eles observam a análise de outros investidores, buscam análises de corretoras, bancos e influenciadores que se espalham por toda a internet com o objetivo de interferirem nas expectativas.

Automaticamente essa mudança de expectativa já resultará em mudanças nos preços com base em novas expectativas sobre o futuro.

Os investidores também olham o movimento dos preços, pois o preço é o resultado final de todas as decisões tomadas com base em todas as expectativas.

Se investidores grandes acreditam que o preço justo de uma ação é R$ 30,00, com base em análises sobre os resultados da empresa (análise fundamentalista) é muito provável que o interesse desses investidores pela compra da ação seja cada vez menor quando ela ultrapassar os R$ 30,00.

Muitas vezes o preço da ação deixa de subir quando atinge uma faixa onde a maioria acredita que a ação está muito cara (com base no estudo dos fundamentos da empresa). Isso inicia um processo corretivo que leva os preços de volta para a proximidade de R$ 30,00 ou para a proximidade do preço médio.

Com o tempo, os demais investidores (que estudam somente os preços) percebem o comportamento dos preços quando eles atingem determinadas faixas e isso altera seu comportamento no momento da compra ou venda das ações.

Podemos dizer que tudo que aconteceu, tudo que está acontecendo e tudo que possa ser imaginado sobre o futuro, está interferindo no comportamento das pessoas e essa mudança de comportamento define o preço das ações, fundos imobiliário, dólar e outros investimentos de renda variável. O que imaginamos sobre o futuro ajuda a criar esse futuro.

A grande verdade é que a realidade que vivemos passa por esse processo de “autorealização” em diversas as áreas da vida humana.

Sempre que estamos diante de algo que é fruto do comportamento das pessoas, com base em expectativas sobre o futuro, temos o efeito da “profecia autorrealizável”.

Temos muitos exemplos na bolsa de empresas que geram lucros insignificantes (ou até prejuízos) e que tiveram grande valorização nos últimos anos. Também temos exemplos de empresas com lucros bilionários e que registram quedas no preço de suas ações nos últimos anos.

As empresas mais competentes na geração de expectativas positivas sobre seus negócios são as que possuem valorização consistente. Por esse motivo, às vezes, os resultados financeiros efetivos são menos relevantes do que as expectativas que a empresa alimenta entre seus investidores.

Os departamentos de relações com investidores que as empresas possuem também funcionam como produtores e gestores de expectativas.

Eles também tentam ancorar as expectativas dos investidores de tal forma que os resultados financeiros possam superar o que era esperado. Para isso basta controlar o que é esperado, pois é mais simples do que controlar os resultados.

Essas superações produzem as tendências de alta, como as frustrações de expectativas produzem as tendências de baixa nos preços, mas isso é assunto para futuros artigos.

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