Em 2019 um grande banco público começou a oferecer uma linha de financiamento de imóveis com juros fixos mais baixos, de 2,95% a 4,95% ao ano, mais a correção da dívida mensalmente pela inflação.

Outros bancos vão seguir o mesmo caminho, pois você verá nesse artigo que para eles é mais vantajoso ter uma parte dos ganhos garantida pela inflação (ganhos variáveis) e outra parte garantida por uma taxa fixa acima da inflação.

No discurso e na propaganda, o banco vem prometendo que o novo modelo reduzirá o valor das parcelas e oferecerá grandes vantagens com relação ao modelo anterior que cobrava juros fixos mais elevados e correção pela TR (Taxa Referencial). A TR faz parte da remuneração da poupança e sempre foi uma taxa muito baixa. Veremos que a inflação anual sempre foi maior que a TR anual. Em alguns momentos a TR chegou a ser de 0% ao ano.

Bom para o banco, ruim para você

O que a propaganda do banco não fala é que a correção pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) representa uma transferência de risco do banco para o devedor. Para o banco isso é ótimo e não existe como discutir a enorme vantagem para a redução dos riscos do banco. Para o devedor isso é um risco que ele precisa ter consciência antes de assumir o financiamento.

Pelo novo sistema, a parcela pode até ser menor no começo, mas com o passar do tempo a dívida será corrigida pela inflação, sendo que a inflação no Brasil sempre foi elevada.

A correção pela inflação da dívida atual do financiamento será feita sobre correções sofridas nos meses anteriores, gerando um efeito como o dos juros compostos (juros sobre juros). Como a parcela é calculada sobre uma dívida que será constantemente corrigida, teremos parcelas que tendem a aumentar com o passar do tempo, principalmente se a inflação crescer nos próximos anos e décadas. Isso é maravilhoso para o credor e arriscado para o devedor.

Exemplificando

Vamos imaginar que você deseja comprar um imóvel de R$ 600.000,00, mas não tem todo esse dinheiro disponível. Você tem R$ 100.000,00 em dinheiro para a entrada e precisa pedir emprestado R$ 500.000,00 para um banco através de um financiamento habitacional (nota: no simulador que vou mostrar para você será possível fazer simulações com qualquer valor, taxa e prazos).

Você entrou no site de simulações do “Grande Banco Azul” e percebeu que eles estão oferecendo um tipo de financiamento onde você paga juros fixos menores enquanto sua dívida será corrigida mensalmente pela inflação medida pelo IPCA.

Você faz a simulação no site do banco e percebe que o simulador só calcula as prestações com os juros, seguro e taxa administrativa. Eles não simulam o impacto da inflação no valor da dívida e prestações. Podemos dizer que o banco será remunerado por uma taxa fixa + uma taxa variável que seguirá a inflação. Para o banco é bom que você não saiba qual será o efeito dessa taxa variável que remunera o banco, mas para você é fundamental por representar um custo elevado. Veremos agora que esse custo poderá sofrer muitas variações no decorrer de muitos meses e anos.

Variações da inflação nos últimos 10 anos

Para verificar as enormes variações da inflação nos últimos 10 anos observe a linha vermelha nesse gráfico aqui. Veja que a inflação no Brasil sobe e desce constantemente e se foi assim no passado é possível que seja no futuro (embora não seja garantido). Passando o mouse sobre a linha vermelha você verá que em janeiro de 2016 tivemos uma inflação de 10,71% nos últimos 12 meses. Em agosto de 2017 tivemos inflação de 2,46% ao ano. Em 2019 ela chegou a atingir 4,94% em abril e assim por diante. Observe que a inflação pode dobrar ou triplicar em ciclos relativamente curtos (de poucos anos). Imagine o que significa ter uma dívida de centenas de milhares de reais corrigida por 2,5% em um determinado ano e depois assistir essa dívida crescendo 4,9% ou até mais de 10% nos anos seguintes.

Você não deve ignorar o impacto negativo da inflação quando ela for utilizada para corrigir a sua dívida, pois é sobre o valor da dívida corrigida mensalmente pela inflação que o banco fará o cálculo dos juros para definir o valor da prestação.

Como a inflação dos próximos meses e anos é uma incógnita, podemos dizer que a prestação do seu financiamento será uma verdadeira “caixinha de surpresas desagradáveis”.

Interesses dos bancos e seus interesses

É claro que os bancos jamais irão adicionar a inflação nos seus simuladores, principalmente se essa informação fizer você desistir de contratar o banco. Lembre-se que simuladores bancários são instrumentos que servem para motivar uma venda, não importa se eles querem vender um empréstimo, seguro, financiamento, investimento etc.

Você deve aceitar a ideia de que precisa aprender a fazer suas próprias simulações e estudos para poder defender seus próprios interesses.

Faça suas próprias simulações

Aqui no Clube dos Poupadores eu criei dois simuladores para permitir que qualquer pessoa observe o impacto da inflação no valor das prestações de um financiamento corrigido pela inflação, com a cobrança de juros e amortização através do sistema SAC (mais usado) e sistema PRICE. Visite os simuladores para usar e entender como eles funcionam (existe um texto explicativo na parte inferior da página de cada simulador):

Vamos simular o financiamento com prestações calculadas pelo sistema de amortização constante (SAC). Nesse sistema SAC a prestação é maior no começo e tende a diminuir com o passar do tempo. O problema é que isso não acontecerá pelo fato da dívida ser corrigida pela inflação. No sistema PRICE as prestações são menores no começo e tendem a aumentar com o passar do tempo e com o efeito da inflação elas podem ficar ainda maiores.

Primeiro vamos simular da mesma forma que os simuladores dos bancos fazem, ou seja, vamos simular o financiamento com uma inflação de 0% para observar o “conto de fadas” que são os simuladores bancários.

Visite aqui e simule o financiamento de R$ 500.000,00 com taxa de juros de 4,95% ao ano, correção pelo IPCA de 0% e prazo de pagamento de 30 anos. Você verá um gráfico que mostra o valor da prestação mensalmente parecido com esse:

O gráfico gerado pelo simulador e a coluna chamada “Prestação” que está na tabela exigida na simulação, mostram que as prestações são decrescentes e isso parece ser maravilhoso. Veja no gráfico acima que a cada mês a prestação ficará menor. Pelo menos é isso que as pessoas conseguem ver nos simuladores dos bancos. Só que isso é uma fantasia.

Agora vamos repetir a simulação corrigindo a dívida através de uma inflação média anual de 4%. A dívida continua sendo de R$ 500 mil com juros de 4,95% ao ano e prazo de 30 anos para pagar. Veja como ficará o gráfico que mostra o preço das prestações a cada mês:

Perceba que o famoso sistema de amortização (SAC) que gera prestações decrescentes deixa de funcionar quando a dívida for corrigida mensalmente pela inflação. Se você fizer a mesma simulação adotando inflação de 3% o resultado será como o gráfico abaixo. A prestação será crescente até pouco mais de 200 prestações (mais de 16 anos) e decrescentes até completar 30 anos. Somente com inflação de 1% ao ano ou 2% ao ano teremos a prestação decrescente na maior parte do tempo. Isso significa que o devedor vai precisar torcer muito por uma inflação média de 1% ou 2% ao ano no decorrer de 30 anos. É necessário ser muito otimista com relação a um Brasil que terá uma economia parecida com a de um país de primeiro mundo (juros baixos, inflação baixa e economia estável).

Vale destacar que este simulador só mostra o impacto dos juros e da inflação. Quando você financia um imóvel,  você é obrigado(a) a comprar produtos e serviços adicionais como os seguros e taxa administrativa. Muitas vezes os bancos forçam uma “venda casada” por prometerem juros menores se você tiver um “bom relacionamento” com o banco. Bom relacionamento significa contratar serviços do banco e pagar taxas por eles. Pode sair uma coisa pela outra ou, no longo prazo, uma coisa pior que a outra já que o banco vai reajustar suas tarifas com o passar do tempo.

Os bancos estão divulgando na imprensa que o financiamento que cobra IPCA + Juros menores é mais vantajoso que o financiamento que cobrava juros fixos mais elevados e tinha a correção pela TR. Podemos ver se isso é verdade no gráfico logo abaixo.

A linha azul representa a taxa de juros de 9,75% ao ano convertida em uma taxa mensal somada a TR entre 2009 e 2019. Essa taxa de 9,75% é o que vinha sendo cobrado de juros fixos até 2019 em financiamentos imobiliários. No passado ela chegou a ser menor ou maior. A linha vermelha representa a taxa de juro de 4,95% convertida em uma taxa mensal somada com a inflação mensal (IPCA) entre 2009 e 2019.

Observe que se você tivesse feito um financiamento em 2009 com prazo de 10 anos pagando juro fixo de 9,75 + TR suas prestações teriam sido mais estáveis, pois mensalmente ela seria calculada utilizando o juro + a TR mostrada na linha azul. Veja que ela sofreu variações entre 0,75% e 1% no decorrer dos 10 anos.

Já se você tivesse financiado o imóvel pagando “só” 4,95% de juros fixos + a inflação medida pelo IPCA, suas prestações seriam corrigidas por taxas que sofreriam variações muito bruscas de um mês para o outro, tornando sua vida financeira um verdadeiro inferno devido a elevada imprevisibilidade da inflação que seria utilizada para corrigir a dívida e calcular a prestação do mês. Veja que as variações normalmente foram entre 0,50% até 1,25% ou 1,5% ao mês.

Letras miúdas

Entenda que o objetivo de um banco, mesmo sendo um banco público, é vender financiamentos e investimentos com a missão de obter o maior lucro possível sobre as decisões que você toma. Os simuladores e as informações que os bancos oferecem de forma mais fácil e gratuita motivam você a tomar decisões boas para os lucros dos bancos.

As demais informações só aparecem em contratos com letras muito pequenas e que utiliza um vocabulário técnico difícil de entender. É justamente esse contrato com letras miúdas que você vai assinar dentro de uma agência bancária lotada. Todo mercado imobiliário funciona dessa forma e foi pensando nisso que escrevi livros sobre o assunto.

É seu dever de casa fazer suas próprias avaliações, estudos e simulações para defender os seus objetivos financeiros. Nada é mais vantajoso do que poupar e investir o máximo possível, com antecedência, para comprar o seu imóvel dependendo o mínimo possível dos bancos.

Eu me esforço para criar simuladores como esse que apresentei no artigo, pois banco nenhum fará isso por você. Aqui no Clube dos Poupadores temos diversos livros e ferramentas que podem ajudar você a se ajudar a cuidar da sua vida financeira.

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