Existem alguns fatos sobre o comportamento dos fundos multimercado, diante dos ciclos de juros, que você deveria saber antes de investir, principalmente se você investe seguindo a propaganda recebida de uma corretora, banco ou da imprensa e influenciadores digitais patrocinados por instituições financeiras.

São coisas pouco comentadas, talvez por falta de interesse de quem “vende” os fundos ou falta de capacidade de entendimento das pessoas que investem nos fundos.

Para contextualizar o tamanho do problema da audiência impactada por essas influências, durante essa semana recebi um e-mail de um senhor dizendo algo assim: “Quero saber como investir em juros compostos. Dizem que esse é o melhor investimento, mas ninguém diz, com objetividade, onde encontrar esse investimento. Onde posso investir nos juros compostos?”.

Pelo que pude entender, essa pessoa acredita que existe um investimento chamado “juros compostos” em algum lugar. São essas mesmas pessoas que estão neste momento recebendo uma tonelada de propaganda enviada por corretoras, bancos e influenciadores patrocinados sobre a grande “vantagem” que é investir em fundos, especialmente nos fundos multimercado, que tiveram resultados passados extraordinários.

Se você tem conta em corretora ou investimentos através de grandes bancos, e recebe e-mails com recomendações, deve ter recebido muita propaganda envolvendo os fundos multimercado que superaram o CDI nos últimos meses.

Se você acompanha notícias sobre economia e investimentos, deve ter encontrado muitas manchetes que falam sobre o desempenho animador de alguns fundos multimercado nos últimos 12 meses que conseguiram superar índice de referência (CDI).

Talvez você tenha recebido comunicados sobre a última oportunidade para investir em um fundo multimercado que pretende fechar suas portas para a entrada de novos investidores.

O último email que recebi de uma das corretoras onde tenho conta dizia:

Recentemente foi anunciado que um dos fundos multimercados de maior destaque da nossa plataforma será fechado para novas aplicações. O fundo “blá blá blá” acumula um retorno de 372% do CDI no ano e 173% do CDI desde o início (Dez/2012). O veículo fechará quando atingir o patrimônio de 6 Bilhões de Reais, atualmente conta com um patrimônio de 4,4 Bilhões de Reais aproximadamente.

Nada contra a corretora, que está só cuidando do negócio dela que é captar mais dinheiro para os fundos que ela distribui. É com isso que eles ganham dinheiro e pagam as contas. Criar esse sentimento de urgência é um tipo de estratégia de marketing muito utilizado para gerar vendas por impulso.

Na cabeça do pequeno investidor, isso cria a ideia de que ele poderá perder uma grande oportunidade. Cria uma ilusão de que esse retorno passado de 372% do CDI garante um retorno futuro equivalente.

Talvez a pessoa comum, não entenda claramente que 372% não tem relação com 372% de juros, mas sim de 372% acima de um CDI que literalmente derreteu nos últimos anos até atingir seu menor nível histórico.

Nesse contexto, muitos bancos, corretoras e gestoras estão fazendo uso de resultados passados como forte argumento para a venda de fundos, comunicando dados de difícil entendimento para um público que muitas vezes não tem educação financeira básica.

Com isso, as pessoas começam a movimentar recursos que estavam em investimentos que rendem pouco para as corretoras e bancos (títulos públicos, títulos privados, fundos conservadores com taxas pequenas e poupança). Elas transferem esses recursos para dentro de fundos que cobram taxas administrativas elevadas e taxa de performance (que garante os lucros das instituições financeiras).

Devemos entender que todo esforço de venda visa o lucro de quem vende. É responsabilidade de quem aceita a oferta avaliar se ela agrega algum valor ou se ela só atende aos interesses de quem vende. Não devemos esperar que o vendedor se preocupe mais com o nosso lucro do que com o lucro dele. Parece óbvio, mas no mundo dos investimentos temos a ilusão, quase infantil, de que alguém vai nos oferecer algo pensando no nosso lucro em primeiro lugar.

Eu não tenho nada contra os fundos multimercado. Inclusive eu tenho recursos em dois fundos multimercado, assim como tenho em outros produtos de forma diversificada. A questão é que esses investimentos que tenho não foram feitos agora, no final de um ciclo de queda dos juros, onde fica mais fácil para os fundos multimercado apresentarem números de superação do CDI, onde eles aparecem com destaque nas notícias e nas propagandas das instituições. Minha decisão de investimento não foi baseada na montanha de propaganda que recebo atualmente sobre os fundos.

Quando os juros estavam elevados, e o governo estava iniciando o ciclo de queda, o desempenho histórico dos multimercados, nos últimos 12 ou 24 meses era mediano ou medíocre. Não existiam dados positivos para fazer a propaganda. Ninguém falava sobre os fundos.

Durante o ciclo de queda dos juros, os fundos multimercado registram ganhos fáceis através da própria renda fixa e índices que refletem o desempenho da bolsa. Exemplo:  títulos públicos e privados prefixados e títulos como o Tesouro IPCA. Esses títulos oferecem ganhos acima da média quando os juros estão em queda. Eu trato desse assunto com detalhes nos meus livros . O mesmo ocorre com os investimentos que os multimercados fazem na bolsa de valores. Quando os juros estão em queda, as ações tendem a se valorizar.

Em um ciclo de queda dos juros, o CDI (taxa DI) entra em queda livre. Com uma boa parte da carteira em investimentos prefixados, indexados pelo IPCA e com investimentos em renda variável, fica relativamente fácil para um fundo multimercado superar um CDI que está em queda livre.

Prefixando o rendimento da carteira

Vou dar um exemplo bem simples. O ciclo de queda dos juros começou em 2016. A taxa Selic estava em 14,25% e existiam títulos públicos como o Tesouro Prefixado sendo oferecido pelo Tesouro Direto com taxa de juro fixa de 16% ao ano, com vencimentos para 2019, 2021, 2023 (fonte).

Quando o governo iniciou o corte dos juros, no final de 2016, esses títulos eram oferecidos com taxas de 12% ao ano. Mesmo aquele investidor que tivesse aguardado a primeira decisão de redução de 0,25% da Selic para prefixar uma parte dos seus investimentos, estaria superando o CDI em queda livre, especialmente agora.

A linha vermelha mostra que em 2016 a rentabilidade oferecida no título Tesouro Prefixado 2021 (LTN 010121) atingiu 16% em 2016, meses antes do início do ciclo de queda dos juros (que era um evento esperado).

Mesmo comprando o título durante a queda dos juros (após o fato consumado), era possível adquirir títulos prefixados de 12% ao ano, que é quase dobro do CDI (taxa DI) no momento em que esse artigo foi escrito (6,39% ao ano).

Observe que para um fundo multimercado ou para uma pessoa qualquer, seria fácil, através da renda fixa, obter resultados acima do CDI se, durante a queda dos juros, uma parte do investimento fosse migrada para títulos prefixados.

Não vou entrar no mérito dos ganhos na bolsa, mas quase como uma regra básica, quando os juros estão em queda o preço das ações iniciam uma tendência de alta, mas sei que nem todos possuem conhecimento e perfil para investir em renda variável. Por esse motivo, quero mostrar que até limitando suas decisões de investimento na renda fixa, seria possível ganhar do CDI no cenário de forte queda dos juros como ocorreu nos últimos meses.

Um estudo recente avaliou o desempenho de fundos multimercado que passaram pelos últimos 5 ciclos recentes de mudança de juros (fonte na Valor), (fonte no EB). Entre mais de 500 fundos que possuem número considerável de investidores e capital investido, somente 128 possuem um bom histórico de dados para esse tipo de avaliação. Veja o resultado comentado por mim:

Primeiro Ciclo (queda)

O primeiro ciclo foi de baixa dos juros com início em janeiro de 2009. Os juros caíram de 13,75% ao ano para 12,75% (fonte). Foram quatro reduções até a taxa atingir 8,75% em abril de 2010. Neste primeiro ciclo, 82% dos fundos multimercados avaliados conseguiram superar o CDI. Somente 18% dos fundos ficou com sua rentabilidade abaixo do CDI. Observe que o CDI estava em queda livre, ou seja, o índice de referência que o fundo multimercado deveria superar estava caindo fortemente, facilitando a vida daquele que tem o objetivo de superar o CDI. Observe todos os ciclos no gráfico abaixo (fonte).

Segundo Ciclo (alta)

A partir de abril de 2010 começou o ciclo de alta dos juros. A taxa Selic subiu de 8,75% ao ano para 9,50%. Novas altas aconteceram até agosto de 2011 quando a Selic atingiu 12,50%. Agora a situação dos fundos multimercado ficaria mais complicada. O índice que eles precisam superar (CDI) estava aumentando e neste momento o gestor precisava tomar decisões mais sofisticadas do que aquelas que simples mortais, como eu e você, poderiam tomar com facilidade. Neste caso, 55% dos fundos multimercado perderam para o CDI e 45% conseguiram superar o CDI.

Observe que durante um ciclo de alta dos juros, qualquer investimento pós-fixado, capaz de superar o CDI como um CDB, LCI, LCA de bancos médios ou mesmo um fundo DI com taxa administrativa baixa, seria capaz de acompanhar o CDI. Não precisamos de muita esperteza ou conhecimento para investir acompanhando o CDI, para isso, bastam os investimentos pós-fixados.

Terceiro Ciclo (queda)

Em setembro de 2011 o Banco Central iniciou um ciclo de queda dos juros que foi até abril 2013. De 12,50% ao ano a taxa caiu para 7,25%. Os fundos multimercado, novamente, comemoraram a destreza dos seus gestores. 81% conseguiram superar o CDI que atingiu a sua mínima história até aquele momento. Foi uma queda de 5,25 pontos percentuais.

Quarto Ciclo (alta)

Quando chegou abril de 2013, o Banco Central iniciou um novo ciclo de alta dos juros. Os juros subiram de 7,25% para 11% em junho de 2014. Essa taxa foi mantida até outubro de 2014 quando o ciclo de alta voltou a acontecer fazendo a taxa Selic atingir 14,25% em julho de 2015. Assim ficou até outubro de 2016. Novamente, os fundos multimercado apresentaram desempenho fraco durante um ciclo de alta dos juros. 49% conseguiu superar o CDI e 51 % ficaram abaixo do CDI.

Quinto Ciclo (queda)

Chegamos no atual ciclo de queda dos juros. De 14,25% devemos atingir 6,25% na próxima reunião do COPOM marcada para 16 de maio. Estaremos na mínima histórica da taxa Selic. Depois de uma queda de 8 pontos percentuais, 70% dos fundos multimercado conseguiram ficar acima do CDI e 30% conseguiram o feito de ficar atrás do decadente CDI de 6,39% ao ano. Mesmo com o país atravessando uma grave crise econômica, não foi difícil para os fundos multimercado superar um CDI decadente.

Conclusão

A maior parte dos fundos multimercado apresentam melhores resultados em ciclos de queda dos juros. No final desses ciclos de queda, os fundos possuem um bom resultado passado para mostrar na propaganda, dando a impressão, para os mais desatentos, de que o passado pode se repetir no futuro. Não existe garantia de que o desempenho positivo irá se repetir no ciclo de alta dos juros ou nos meses e anos futuros. Um número menor de fundos consegue superar o CDI nos ciclos de alta dos juros ou oferece bom desempenho de forma consistente no longo prazo.

Você não precisa ser um gênio da gestão de recursos para superar o CDI quando a taxa Selic e a taxa DI estão em queda livre. Também não precisa de nenhuma habilidade fora do comum para perceber que o Banco Central iniciou um ciclo de queda dos juros para poder investir um pouco mais em títulos prefixados, que seguem o IPCA ou até investimentos de renda variável. Essa informação é pública, como você pode ver aqui.

Com certeza você precisa saber alguma coisa para cuidar do seu dinheiro. Devemos ter cuidado com a grande quantidade de propaganda que recebemos sobre o desempenho passado dos investimentos, pois esse desempenho acima da média ocorreu durante um cenário econômico que muda a todo momento.

Como vimos no artigo, é mais fácil para os fundos atingirem esse desempenho superior quando o CDI está em queda livre. As corretoras e os bancos não explicam essas coisas (eles são vendedores, não são educadores), mas fazem uso de resultados passados para convencer você a transferir seus investimentos para fundos que cobram taxas de 2% ao ano, 3% ao ano ou até mais, sem falar da taxa de desempenho ou taxa de performance (isso faz parte do marketing, publicidade e vendas).

Os bancos, corretoras e gestoras de fundo estão fazendo o dever de casa deles, estão cuidando do negócio deles. Você deveria fazer o seu dever de casa, deveria cuidar do seu dinheiro com um pouco mais de atenção e conhecimento. Devemos nos preparar para ler e entender as dicas de um artigo como esse. Devemos nos preparar para ler e entender as propostas e propagandas das instituições. Tudo que eles oferecem é bom para eles, mas nem tudo é bom para a nossa vida financeira neste exato momento.

Além dos artigos gratuitos que existem no Clube dos Poupadores sobre todos os tipos de investimento, existem meus livros que falam sobre todos esses assuntos, de tal forma que você possa ser menos influenciado pela propaganda das instituições e passe a tomar decisões por conta própria, no momento em que elas forem mais favoráveis para você.

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